terça-feira, 27 de março de 2012

A cidade sagrada

Desde criança, início dos anos 90, gurizinho em Santo Ângelo-RS, eu sonhava em conhecer Liverpool. Para todo beatlemaníaco, Liverpool é tida como a cidade sagrada, a Terra Santa. O local onde nasceram os Beatles. O lugar mais iê-iê-iê deste planeta.

Eu pensava muitas coisas. Imaginava que por lá as pessoas não andassem. Elas flutuavam, deslizavam como Lucy in the Sky with Diamonds. Acreditava que John ainda frequentava Strawberry Fields (forever). Sabe-se lá.

Quando o trem parou na Liverpool Lime Street Station eu, enfim, tinha chegado ao paraíso. Sorri sem ter motivos. Lógico que John, Paul, George e Ringo estariam ali fora me esperando para um Tour pela cidade. É, eles não estavam. Nem, muito menos, as pessoas viviam de modo diverso as que vivem por aqui. Tomei um táxi ao contrário e segui para o hotel. Conforme o tempo ia passando, o encanto parecia ir se esvaindo. "Não foi isso que eu sempre imaginei que fosse".

Inquieto, busquei a Mathew Street. Quero ver o Cavern Club, talvez lá seja diferente. Por entre grandes construções e ruas perfeitamente desenhadas, a gélida Liverpool me apresentou o local mais Beatle do planeta. Um lugar, uma construção feita de tijolo e cimento, como todas as outras são. Paredes decoradas. Escadas. Som alto. Nada demais. O velho Cavern já não existe mais, ele fora demolido em 1973 e reconstruído alguns metros adiante, imagino, devido a imensa procura dos fãs. O local remete à década de 60. As músicas estão vivas lá dentro, assim como sempre estiveram no meu toca-fitas, no meu toca-discos e por aí a fora.

O encanto parecia ter acabado. Descobrir que John, Paul, George e Ringo foram pessoas normais, que viviam normalmente naquela cidade foi demais para mim. Comecei a entender que Liverpool era bem mais que a cidade dos Beatles. Em cada esquina estavam os quatro. Todos com os mesmos rostos, os mesmos jeitos. Ingleses são muito parecidos. Os Beatles certamente são dali, todos se parecem com eles.

Na Arnold Grove, 12, existe uma casa. Pessoas moram nessa casa. George Harrison nasceu lá e a casa é uma casa como tantas outras. Ela existe e posso garantir que não se trata de nada mais que uma casa. O mesmo aconteceu na Forthlin Road, 20. Paul McCartney morou por lá na época em que conheceu John Lennon. Dizem que algumas músicas foram compostas na sala de estar desta residência. Outras, talvez, tenham sido escritas na Menlove Avenue, 251, onde John morava com sua tia Mimi.

Strawberry Fields, Penny Lane, Cavern, tudo existe e está lá. Parece-me que o encanto se quebrou quando pude tocar no que sempre imaginei ser intocável. Bobagens da minha cabeça. O dia 7 de março de 2012 é um dia histórico para mim. Eu descobri que os Beatles existiram sim e foram (alguns são) pessoas normais, que nasceram numa cidade normal, entre tantas pessoas normais.

Parece desdém pensar que tudo isso foi uma viagem trivial. Não foi. Só voltando para casa eu entenderei o que significou ter estado aqui (lá). Liverpool é um sonho realizado e valeu cada segundo da minha estada por lá. Tive medo de pensar que tudo teria sido em vão ... lógico que não foi. A minha Magical Mistery Tour, enfim, tinha acontecido.